Isabellamoraisvasconcelos
3 min readJul 27, 2022

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Tem uma mãe — pelo menos suponho que seja, afinal a responsável pela criança sempre é a mãe.

Outro dia mesmo, tinha uma criança pulando de cadeira em cadeira na sala de espera de um consultório. A atendente na recepção, mais impaciente e incomodada com o barulho do que realmente preocupada com a segurança da criança, logo soltou “quem é a mãe dessa criança?” Mas quase de imediato se deu conta do equívoco e precipitação da pergunta, e indagou de modo diferente “quem é o responsável por essa criança?”

Porque por trás de toda criança sempre tem uma mãe, nunca UM responsável ou alguns responsáveis. E aquela célebre frase de que “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança” perde o sentido numa sociedade onde só “mãe é mãe”.

Mas voltando ao assunto… Supondo que a mulher que carrega uma criança, enquanto pede ajuda num sinal da Av. Abdias de Carvalho, aqui no Recife, seja sua mãe. Quase que naturalmente ocorre o seguinte julgamento: por que ela “usa” a criança para fazer isso?

Será esse o caso? Será “maldade” ou real necessidade?

Será que ela tem alguém com quem deixar a criança, enquanto pede ajuda no sinal? E se tiver, será alguém “de confiança”, que possa cuidar devidamente sem lhe causar dano maior que está no braço de sua mãe, embaixo da sobrinha, enquanto ela pede ajuda para o sustento de ambos?

Porque é muito mais fácil julgar uma mãe, aquela mãe então nem se fala!

Quantas mães vivem em situação parecida? Sem rede de apoio, não trabalham, mas precisam de alguma forma obter o sustento da família. Ou trabalham, e precisam deixar suas crianças com qualquer pessoa, deixando-as suscetíveis a todo tipo de descuido e mesmo violências, mas é essa a realidade que se impõe.

Simplesmente pensamos “por que ela não arruma um trabalho, nem que seja uma faxina pra fazer ao invés de tá expondo sua criança para pedir ajuda num sinal?”

Será que se ela fosse fazer “uma faxina” na casa de alguém, pra ganhar qualquer dinheiro, poderia levar sua criança?

Se fosse contratada então, seu empregador lhe permitiria levar sua criança, o tempo que fosse necessário, até que arranjasse um lugar seguro e alguém confiável para deixá-la posteriormente?

Quase sempre as mães simplesmente não têm escolhas, sobretudo as pobres e racializadas. Ainda assim, são apontadas como se tivessem escolhido determinados modos de vida, como se o buraco não fosse mais embaixo, e o problema não fosse coletivo, social, e não individual.

Por isso, reitero “não julguemos uma mãe”. Em nenhuma circunstância. Eu sei que é quase instintivo, que se normalizou pensar que “mãe é mãe” e que por essa razão podem aguentar tudo, enfrentar tudo, dar conta de tudo.

“Ah, porque minha mãe conseguiu.”

“Ah, porque minha mãe fazia assim…”

Sua mãe foi exceção, ou talvez só tenha disfarçado bem os fardos que suportou enquanto mãe e mulher, nesse sistema que massacra, que exige, mas pouco oferece em contrapartida.

Aquela mãe, mulher, que carrega uma criança enquanto pede ajuda no sinal da Av. Abdias de Carvalho, tem um nome , uma história e suas motivações para estar naquela situação. Eu nem sequer sei seu nome, que direito teria de julgá-la pelo motivo que fosse, quanto mais sendo simplesmente por pedir ajuda. Leia de novo: pedir ajuda.

E esse meu texto talvez seja um pedido de ajuda também, da forma que sei fazer. Não me julguem.

O sinal que a mãe fica com sua criança, é na altura Habib's, no cruzamento da Av. Abdias de Carvalho com R. João Ivo da Silva. E normalmente ela fica no período da tarde, mas já a vi pela manhã também.

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Isabellamoraisvasconcelos

Designer, mestra em história social da cultura e (ama) dora da escrita, arriscando rimas, prosas e poesias.