Sobre casamentos e tradições.

Isabellamoraisvasconcelos
5 min readJul 30, 2021

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O casamento é aquele tipo de tradição difícil de ser percebido como tal. Mas é.

Na verdade, toda tradição é vivida como uma espécie de movimento natural da vida, na vida da gente.

Mas se a gente parar pra pensar direitinho vai perceber que toda tradição acaba sendo uma adição ao nosso modo de viver dito natural…

E é natural que duas pessoas vivam juntas para todo sempre? Ando pensando nisso…

É claro que me pego extremamente contagiada pelo meu mau momento no casamento. Inclusive nem mesmo me considero mais casada… Assinalei lá no dia 05 de maio que estava “separada”. No entanto continuo sob o mesmo teto que o meu marido, quer dizer, ex-marido. Ainda me parece confuso nomear essa situação. Justamente porque foge a tradição do “felizes para sempre” ainda que isso custe e signifique a infelicidade de uma das partes…

Então a tradição pode ser uma prisão. Sim, uma prisão invisível, mas sensível aos sentidos: eu olho para o pai das crianças (melhor chamá-lo assim a partir de agora) e não o enxergo como antes; não sinto mais aquele cheiro de outrora; o beijo não tem mais o sabor de antes — e nem se quer tem mais beijo; não tem abraço, nem tato, muito menos afago… Só um afogamento num mar de dúvidas infinitas e muitos questionamentos.

“Ah, mas o casamento é isso: passa a paixão, fica o amor.” “Tudo muda com a rotina.” alguns vão dizer. Mas se eu disser que prefiro a paixão no lugar do amor? E se eu disser que prefiro a rotina, mas também quero a imprevisibilidade de um romance daqueles arrebatadores?

Será que eu “quero” (entre aspas mesmo, porque é um querer questionável) será que eu espero a zona de conforto de um casamento e, por outro lado, quero a instabilidade de uma aventura casual? Parecem conceitos meio redundantes… porque uma aventura já é instável por si só, e o que é casual também implica num certo descompromisso, algo onde não há estabilidade…

Talvez essa redundância toda seja medo de dizer com todas as letras o que eu verdadeiramente quero. E querer é escolher. E fazer escolhas sempre me parece uma coisa difícil.

Ah, pode ser que por isso as tradições nos sirvam tão bem, afinal, ser tradicional nos tira do lugar de escolha. É só seguir o fluxo, seguindo a tradição social do casamento, do “até que a morte os separe” (como se não houvesse outros tipos de morte sem ser no sentido literal).

Tá vendo? Tudo “cai nas costas” da tradição… Até porque ela nos aprisiona, lembra? É uma ilusão que alimenta nossa falsa sensação de que as coisas caminham como deve ser. E nesse sentido, é uma traição ao nosso próprio íntimo que anseia outras perspectivas de vida e modos de viver.

Basta lembrar daquela expressão bem em voga nos últimos anos da “família tradicional brasileira”. Quem é ela? Onde vive? E como vive? O que come? O que veste? O que faz? Eu poderia responder, para todas as perguntas, resumidamente, que esse modelo de família perpetua tradições. Essa é a sua especialidade.

Casamento de véu e grinalda, lua de mel… Não! Antes tem o noivado, a despedida da solteirice, o chá de panelas (ainda existe isso?); e aí depois vem o casório, de preferência no civil e na igreja, “Deus me livre de ter filha amigada! E também tem que ter o nome do marido pra na certidão de nascimento dos filhos ficar tudo ‘certinho’” diz a mãe tradicional da noiva.

Pois é, mal casou, precisa ter os filhos e batizar, se não vira pagão…

(se a gente parar pra reparar o quanto de tradição tem nas religiões, no cristianismo mais precisamente… Uns vão dizer que são dogmas, mas o que são os dogmas senão questões prontas, postas e impostas de forma indiscutível?)

E calma, não sou ateia, embora seja pagã justamente pelo que mencionei ainda há pouco. Meus pais fugiram a tradição nesse quesito e nunca me batizaram, mesmo que meu pai, por exemplo, tenha sido batizado inúmeras vezes pelas diferentes igrejas por onde passou.

Entendo que a tradição, ou melhor, as tradições estejam intimamente ligadas aos rituais sociais onde se gera vínculo e integração coletiva, como bem fala Marcelo Veneziani, no seu livro “De pai para filho. Elogio da tradição”. Inclusive deixo à ele a missão de explicar mais e melhor que eu, tudo que se refere ao termo nesse excelente ensaio. Porque aqui falo mais pelo conhecimento de causa, da minha causa, do passo tradicional que dei, sem muitas novidades e perspectivas, que mudou a minha vida “pra sempre” e que tem sido motivo de muita inquietação.

Pra começar, (ou pra terminar, já que ninguém hoje em dia lê textos longos “como antigamente”) existe tradição mais questionável como a de se “casar virgem”? Tradição feminina, é claro, mas estipulada, estimulada e reforçada pelo modelo de sociedade patriarcal na qual crescemos. E outra coisa, li dia desses no glossário infinito das redes sociais e me pareceu muito razoável: não se perde virgindade, e sim se inicia a vida sexual. Então, aquele papo tradicional sobre “fulana perdeu” ou vai “perder a virgindade” nem faz mais sentido (talvez nunca tenha feito mesmo, e a gente, mulheres, é que éramos reféns dessa noção). Em suma, pessoas virgens podem iniciar a sua vida sexual sem necessariamente perder nada.

E por que cheguei nesse ponto da conversa? (Prometo que vou terminar nesse parágrafo) Sim, caras e caros leitores, casei com o meu primeiro parceiro sexual. Deu pra entender? Não é que eu tenha casado virgem, porque aí seria ser “tradicional” demais né… Mas foi com o excelentíssimo pai das crianças que iniciei a minha vida sexual, e com ele fiquei e estou (estou?) até hoje . Isso pra mim, mais do que nunca, tem feito toda a diferença (ou indiferença, já que por vezes me sinto apática em relação a ele, e a mim mesma).

Sinto falta não sei de quê exatamente. Mas sinto que se eu tivesse “vivido” mais, experenciado mais, “curtido” mais, talvez o casamento tradicional da como forma como se apresenta, às vezes até como imposição, não virasse esse poço sem fundo, onde me afogo e me confundo tentando escapar nem que seja por alguns segundos.

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Isabellamoraisvasconcelos

Designer, mestra em história social da cultura e (ama) dora da escrita, arriscando rimas, prosas e poesias.